8 de jul. de 2010

Considerações coperas

Vocês lembram de 2002? A Copa que vocês não viram direito, porque os jogos eram no meio da madrugada. Bom, enquanto vocês matavam trabalho para ver Argélia vs. Eslovênia, deste lado do planeta a gente penava contra o sono para acompanhar os jogos. Na primeira fase ainda deu para saciar o verme boleiro com jogos às 20h30, mas à medida que as fases avançaram, também os horários.

O que significa dizer que não se matou trabalho na repartição, mas que passávamos boa parte do dia reclamando do sono e discutindo os lances da noite anterior - futebol não são só 90 minutos, melhores momentos, a mesa redonda do domingo e o uso futebolístico para procrastinação, tudo é parte do esporte mais foda do planeta.

O pacote copeiro foi quase completo por aqui, teve bolão, juntar a galera para ver em casa (um sonolento Brasil e Portugual) e tudo mais. Perdi ganhando na bolsa de apostas, acertei quem ia chegar na final, mas o prêmio só fez empatar a quantia que perdi nos bolões de cada jogo do Brasil. Quem ganhou para valer foi o vende-pátria que apostou na Holanda contra o Brasil. Deve ter consultado o Polvo Paul. El puto pulpito, como o apelidaram alguns argentinos.

Em Dogs and Demons, o livro que você não deve ler se quer se apaixonar por este país, Kerr conta uma anedota sobre um sapinho vidente que dava conselhos no auge da bolha especulativa dos anos 90. O surpreendente não é que agentes financeiros consultassem o sapo, mas que os conselhos do sapo tenham se provado mais corretos do que as orientações da burocracia estatal (o que não evitou a prisão do sapo). E agora a Europa produz o Polvo Paul. Dizem que a crise na Grécia começou quando o governo ignorou os conselhos do molusco. Dizem também que vai virar たこ ポル.

Teve quase tudo, teve até Galvão Bueno na tecla SAP da minha TV (para não perder o momento: #CALAABOCAGALVÃO). Só faltou o bar. Copa do Mundo sem jogo no bar é difícil. Talvez prevendo já a desclassificação, fomos para um pub irlandês ver Brasil vs. Holanda. Foi um bom primeiro tempo, como qualquer comentarista esportivo terá narrado. Foi divertido. Os locais em volta se empolgaram com a gente e gritavam juntos. Não, não foi dessa vez que aprendi palavrão em japonês.

Mas no segundo tempo, um fenômeno interessante, que me lembrou que há vários níveis de torcedor. Por exemplo, eu não gosto tanto de futebol, gosto mesmo é do Santos F.C. e faço uma pequena concessão à seleção a cada quatro anos, pelo fato social total que representa a Copa do Mundo. Tem gente que nem essa concessão faz, como meu velho. Tem gente que torce pelo país, como um locutor esportivo que louva qualquer time brasileiro jogando contra um time internacional. Tem gente que diz que gosta é do esporte e tem um time de predileção em cada país (esses são os que menos entendem de futebol, obviamente).

E há os japoneses, que aprenderam a jogar bola com o Zico, inclusive, dizem, a bater pênalti. Os japoneses torcem para a bola. E de repente, no segundo tempo, todos aqueles novos cristãos  convertidos à canarinho gritavam com igual intensidade para a Holanda. Não entendia, como aquele cara que cruzou o pub para abraçar a gente quando saiu o gol do Brasil podia vir tirar sarro na minha cara com o gol de cabeça do Sjneider?! Eu devia ter aprendido algum palavrão em japonês....

Pelo menos não durou muito. Antes de terminar o segundo tempo, antes mesmo da vitória da Holanda estar consolidada, já éramos os últimos no bar, praticamente. O último trem. A vida noturna em Tóquio é regulada pela hora do último trem. Se eles perderem o trem que sai agora às 12 horas, só amanhã de manhã. E ninguém pareceu se importar em voltar para casa sem saber o resultado final.

Mas poderia ser pior. E para nos certificarmos, no dia seguinte fomos ver o chocolate que tomou a Argentina em um bar esportivo para gringos em Roppongi. Lotado de alemães. No cantinho, tímido, estava um local com a camisa dos Pumas, o time de rugby (yo te daré, te daré una cosa, una cosa que empieza com P....Pumas!). Nos aprochegamos. Um pouco antes do jogo, parece que toda a colônia portenha em Tóquio apareceu por lá. Éramos quase dez, namoradas japonesas incluídas, dava para lotar uma kombi. Mas não deu para torcer muito, flor de paliza nos dieron los alemanes.

Há duas grandes diferenças entre os brasileiros e argentinos, pelo menos no que se refere a futebol. A principal é que os argentinos não entendem o conceito de mandinga e saem por aí declarando-se campeões antes da hora. Esta é a razão fundamental à qual eu atribuo o fato de não terem ganhado nada depois de 86, mas há quem prefira a tese de que é uma maldição, mas a suposta maldição só confirma a incompreensão do conceito de mandinga.

A outra é que, enquanto brasileiros sempre criticaremos quem for técnico da seleção, não importa quem seja (o PSDB está fazendo lobby na CBF para botar o Lula de técnico, dizem), o amor argentino é incondicional, não importa se o chocolate for de 4, não importa Maradona. Mentes argentinas mais lúcidas não hesitam em apontar nisso uma clara perda de dignidade, mas eu confesso que sinto uma certa inveja, gostaria de poder torcer assim. Foi com alegria, então, que me uni aos dez argentinos em coro, vamos vamos, argentina, a ganaaaar, mesmo que o placar, a essa altura a 3x0, apontasse claramente nosso impedimento.

----------
Em tempo:

A patrocinadora montou um enorme pavilhão para promover os Samurai Blue no Yoyogi Park (lá em casa se pronuncia "shô-shô-gui"), mas avisaram para visitar logo, porque só tinham alugado o espaço para a primeira fase (ninguém acreditava que chegariam às oitavas). E fiquem com os melhores momentos da boy band que mais joga bola no planeta!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário